Estudar as diferentes
dimensões da violência na contemporaneidade remete, necessariamente, a alguns
teóricos críticos que analisam o medo e a violência, a exemplo de Slavoj Zizek. O filósofo distingue os
tipos de violência, abordando não apenas a violência
subjetiva – aquela
que é “diretamente visível, exercida por um agente claramente identificável”,
mas também as violências objetivas,
referidas como simbólica
e sistêmica.
Vamos associar o pensamento de
Zizek ao longa metragem “Linha de Passe”. A obra cinematográfica
e a literária violência se encontram e se complementam no exercício de pensar
criticamente a violência na contemporaneidade.
A expressão linha de passe, o
título da obra, tem um significado peculiar no futebol. Representa a troca de bola entre jogadores do mesmo
time, durante o jogo, evidenciando a cooperação
de cada um para com o grupo e o sentido de coletividade
que permeia o esporte, na certeza de
que a vitória só será alcançada com a colaboração
de todos. Evidencia também, a cooperação entre os membros da família na busca de uma vida melhor.
Slavoj Zizek, em sua obra
Violência, distingue as diversas formas de violência e demonstra as
contradições e os riscos de se centrar as atenções apenas na chamada violência subjetiva, que é exercida pelos diversos atores
sociais e pelo próprio Estado, aquela
violência mais visível e que desvia o olhar para não proporcionar a análise de
outro tipo de violência, muitas vezes mais nociva, que é a violência objetiva,
em suas formas simbólica e sistêmica. Zizek mostra que esse foco na violência subjetiva interfere no senso crítico das
pessoas.
A violência simbólica, portanto, evidencia a dominação cultural hegemônica. É violência
que se verifica quando uma classe
dominante impõe sua cultura às classes dominadas. É a violência perpetrada na linguagem. Uma violência
“invisível” – é que o dominado não se
opõe ao dominador, pois não percebe esse processo de violência e não se sente
vítima de violência, vivenciando aquela situação como algo natural. É assim no filme analisado neste trabalho, que em
diversas cenas evidencia esse tipo de
violência.
A violência sistêmica, por seu turno, consiste, “nas consequências muitas vezes
catastróficas do funcionamento homogéneo dos nossos sistemas económico e
político”.
Ao abordar os dois tipos de
violência – subjetiva e objetiva – e
caracterizar a violência subjetiva como
“visível” e a objetiva como “invisível”, Zizek chama a atenção para o fato
de que a violência sistêmica é uma contrapartida da violência subjetiva –
visível.
Assista
o trailer do filme “Linha de Passe (Trailer Oficial)” em:
Analisando
as cenas vividas pela personagem Cleuza, podemos perceber que tudo
ao seu redor faz perceber alguma forma de violência: sozinha no seu quarto, sem
nenhuma ajuda ou assistência, quase por dar à luz a um filho sem pai; a pia da
cozinha entupida, a simbolizar a vida que não flui; a forma de tratamento dado
pela patroa, tanto no modo de falar como na atitude de contratação de outra
empregada, em razão de sua gravidez. Enfim, uma sequência de atos ou omissões
que remetem a algum tipo de violência.
“será
que não tem homem nessa casa pra desentupir essa (...) dessa pia?”. E
aí se percebe claramente o simbolismo da violência
de gênero.
Na quinta gravidez e com várias
semanas de gestação, mas ainda não sabe o sexo do bebê. Isso demonstra que não
está havendo um acompanhamento pré-natal. Demonstra a falta de políticas públicas de saúde e também de educação nesse sentido.
No
trabalho, a relação com a patroa também é permeada pela violência objetiva.
Ela bate no rosto do filho e
grita, categoricamente: “eu sou pai e mãe
de vocês, viu? eu sou pai e mãe de vocês, EU!”. Trata-se, pois, de uma cena
em que podemos perceber as diversas
dimensões da violência, tanto subjetiva como objetiva.
As diversas cenas que envolvem
o futebol e o personagem Dario são
caracterizadas pela violência sistêmica,
aquela que, segundo Zizek (2009), decorre
do funcionamento dos sistemas econômico e político. Dario acredita que pode
ascender socialmente pelo futebol, mas o filme mostra, alternadamente, as cenas
dos jogos profissionais, com os jogadores milionários, e as cenas dos garotos
que buscam ocupar um espaço nesse mercado de trabalho perverso, passando pelas “peneiras”
e treinando em campos de terra.
Disponível em: http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=ad087ba3e8f8063d
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